Delação premiada: ponte de ouro e ponte de prata
Ainda
constitui uma grande novidade na nossa cultura jurídica o instituto da
colaboração premiada (a delação premiada é uma espécie). Prevista nas leis
brasileiras desde 1990, somente agora (com o escândalo da Petrobras) é que
ganhou forte visibilidade.
A delação tem
suas vantagens (facilita a produção das provas, por exemplo), mas também tem
problemas (a suavização ou eliminação da responsabilidade penal que ela concede
pode incentivar as pessoas a praticarem crimes que não cometeriam, na medida em
que se sabe que as consequências penais podem ser abrandadas conforme sua
própria vontade).
O ideal é que
as pessoas internalizem (eticamente) o que se pode e o que não se pode fazer. A
delação premiada está na contramão desta internalização das regras, porque
oferece pontes de ouro e de prata como premiação para quem delatar.
Pontes de ouro
De acordo com
clássica lição de Von Liszt, que tem a paternidade do direito penal moderno,
são institutos penais que, após o início da execução de um crime visam a
eliminar a responsabilidade penal do agente, estimulando-o a evitar a
consumação.
São dessa
natureza tanto a desistência voluntária
(o agente inicia a execução do crime, pode prosseguir, mas resolve desistir)
como o arrependimento eficaz (o
agente esgota os atos executivos, se arrepende e pratica uma conduta voluntária
de salvamento do bem jurídico). Ambos estão previstos no art. 15 do CP.
O agente,
nesse caso, se iniciou a execução de um crime de homicídio, não responde pela
tentativa deste crime, sim, apenas pelo que objetivamente praticou (lesão
corporal).
Pontes de prata
São institutos
penais que, após a consumação do crime, pretendem suavizar ou diminuir a
responsabilidade penal do agente. É dessa natureza, por exemplo, o art. 16 do
CP, que cuida do arrependimento
posterior; o agente consuma o crime não violento e depois repara os danos
ou restitui a coisa, antes do recebimento da ação penal.
Na Lei do
Crime Organizado lei (Lei
12.850/13) o instituto da colaboração premiada, da qual a delação premiada é
uma espécie, cumpre semelhante papel (de eliminar a responsabilidade penal ou
de suavizá-la).
Analisando-se
os prêmios previstos na lei (para o colaborador da Justiça) podemos dividi-los
em dois grupos, assim:
O perdão
judicial e o não oferecimento de denúncia (art. 4º, caput, da citada lei e art. 4º,
§ 4º) seriam hipóteses de pontes
de ouro (porque eliminam a
responsabilidade penal do agente, mesmo depois da consumação do crime); e
A redução da
pena em até 2/3 e a possibilidade de concessão de regime prisional mais
favorável (art. 4º, caput)
seriam situações de pontes de
prata (porque apenas suavizam
ou atenuam a responsabilidade penal).
O legislador
brasileiro, ao reconhecer a falência do Estado na área da persecução criminal,
deliberou criar novas pontes de ouro ou de prata em favor do colaborador da
Justiça. Importante sublinhar que o momento da colaboração faz toda diferença:
se ela ocorrer antes do trânsito em julgado final da sentença (ou do acórdão),
quatro prêmios são possíveis: perdão judicial, não oferecimento da denúncia,
redução da pena e regime prisional mais favorável.
Se a
colaboração acontecer depois do trânsito em julgado, cabe apenas redução da
pena até metade ou progressão de regime (art. 4.º, § 5º, da Lei 12.850/13),
mesmo quando ausentes os requisitos legais do art. 112 da Lei de Execução Penal
ou do art. 2.º, § 2º, da Lei dos Crimes Hediondos.
Ou seja: após
o trânsito em julgado a lei somente dispôs sobre a ponte de prata. Não se fala
em ponte de ouro para o colaborador da Justiça após o trânsito em julgado da
sentença ou do acórdão condenatório ou confirmatório da sentença. Essa
colaboração após o trânsito em julgado se chama tardia ou pós-processual (por DR.
Luiz Flavio Gomes).
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